terça-feira, 28 de outubro de 2008

Debate calado

O personagem é caracterizado por muitas qualidades, muito que não se vê nesse mundo globalizado e tomado pela imensa necessidade de acumulação de renda, é um personagem que dá valor a uma coisa na vida que muitos “homens modernos” até se esquecem. O trabalhador do campo dá valor à sua família e mais que tudo, à saúde de sua família.
A história desse personagem vem de séculos e séculos de história, mas hoje, 2008, a história dele se resume da seguinte forma: ele se encontra miserável, esquecido pelo seu governo e com sua família dependendo dele para sua sobrevivência, no interior do Pará. Quando fica no dilema de sua vida... Se ele vai servir de explorado nas plantações de cana-de-açúcar no interior de São Paulo ou se ele fica em sua terra insistindo na dura sobrevivência diária. Finalmente, sem muitas soluções aparentes em seu município, decide ir para São Paulo. Seu tempo de trabalho nos campos de cana-de-açúcar é de aproximadamente 12 horas.
Devido ao elevado número de horas, sob as devidas condições e sob a subnutrição, o trabalhador sofre de muitas câimbras (mão e pernas). No entanto, essas câimbras, quando não tratadas, se espalham pelo corpo trazendo uma insuficiência circulatória no corpo todo do cidadão o levando à morte. O sujeito da colheita da cana-de-açúcar, algumas vezes, morre de tanto trabalhar. Essa é a história desse personagem do nosso interior. História triste, seca, sem fim feliz, amarga e caso triste de uma pessoa explorada até seu último segundo de vida.

Esse personagem tem nome, ele tem idade, ele tem identidade e mais importante (nem sempre) tem carteira de trabalho também. Esse personagem sai de sua casa e de sua cidade, pra ficar longe de sua família. Mas essa pessoa sai de casa num espírito que lembra muito o espírito dos soldados da Primeira Guerra Mundial. Os jovens soldados iam felizes para os campos de batalha, havia festas celebrando o começo da Guerra, e quando chegaram lá, os motivos de celebração haviam acabado por completo. No final das contas a Guerra se prolongou por muitos anos e o clima da volta foi de trauma e tristeza. Pois é. O trabalhador do corte da cana, ele sai de casa na esperança de trazer boa fortuna pra si e principalmente pra sua família. Ele sai satisfeito com sua decisão, apesar de ficarem 4 meses longe de seu núcleo familiar.
É difícil tocar num assunto de tão singela compreensão. Pessoas que não tem absolutamente nada além de sua família e que muitos vivem até hoje sem luz elétrica e que nunca entraram em contato com um computador. São uma realidade não vivida nem imaginada por nós, homens conectados com as superficialidades do mundo globalizado. Esse cidadão está preocupado com sua felicidade e nada mais. Ele não pensa em longo prazo, ele não pensa em marginalizar suas utilidades, ele não pensa que de verdade, como cidadão de um país, ele tem direitos.
É um orgulho para um trabalhador rural de cana ter sua mão com calos. Por quê? Mas calos é fruto de um trabalho contínuo e repetitivo que normalmente machuca. Por que ele gosta então?
Esse trabalhador não se importa. Ele apenas não está ligando se dói se é feio, se isso ou se aquilo. O que importa é que ele trabalhou e levará de volta pra sua família algum tipo, qualquer tipo de conforto e principalmente um dinheiro pra ele poder comprar comida e roupa. Ele está preocupado com sua subsistência daquele ano. É um personagem que vive o momento do agora, por opção ou não. Mas vive no agora.
Projeção de planos e de sonhos está num patamar de muitas abdicações, principalmente de seus familiares. É uma escolha que o fará nadar contra a maré. Não impossível, porém... Esquecida pelo governo brasileiro de que existe. Ah sim, claro. Eles são lembrados algumas vezes pelo governo. Alguns períodos são lembrados com muita, mas com muita atenção dos administradores. Ganham coisas até. Ganham comida e roupa...
As eleições, nessas regiões do Brasil, servem de verdade até hoje como currais eleitorais dos corruptos de plantão.

Estamos passando por um momento de extrema disparidade de realidades sociais. Não se sabe até hoje, depois de muitas discutições, quais são as melhores formas para que um governo melhor administre sua população e faça com que todos sejam de forma igualitária atendidos.
A exploração feita ao nosso personagem é negada por muitos, às vezes, até mesmo por ele próprio. Virou normal. Mas não é normal.

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